Parágrafo ÚNICO

Eu que reclamei aqui de medo de não ter tempo. Pois bem, tenho tempo de sobra agora, mas não posso fazer nada com ele, a não ser esperar ele passar, e ele faz isso do jeito que quer. Corre e fica lento na mesma velocidade, no mesmo tempo. Passa voando e se arrasta quase junto. Não dá nem pra distinguir quase quando corre, quando voa, quando arrasta, quando trava e quando para de vez. E ele para às vezes – quando trava é barbadinha, me viro. O pior é quando ele para... tipo agora. Uma hora falta muito, muito, muito pra eu ir embora e começar logo esse tratamento, outra é pra já, pra ontem, tchau. Daí já fico sem saber nada. Eu já não sei mesmo muita coisa, mas sei que tem situações diferentes por aqui que, dependendo do ângulo, são mais complicadas, mais delicadas, menos sérias. De todas as formas. A gente sabe cada história que deixa a esperança lá em cima: se essa pessoa passou por tudo isso e tá aí, por que eu não passaria pelo que tenho que passar? Só que ao mesmo tempo a gente VÊ o que acontece por aqui. Qualquer doença é ruim, desde uma dor de cabeça a um câncer. É um incomodo, desconforto e bla bla bla. A gente só não pode tentar entender quais são os critérios que levam o destino, a vida, Deus, ou seja lá o que determina aquela pessoa ter que passar por uma situação assim. Não tem explicação plausível o suficiente pra conseguir traduzir ou decifrar por que alguém merece sofrer dessa forma, pra sei lá, aprender alguma coisa. O que eu vejo por aqui com quem eu conversei até agora é que ninguém procura entender, as pessoas querem se ver livre do medo e da sombra da doença que desde a descoberta até o final do tratamento acaba com o paciente. É assustador em alguns casos, mas ao mesmo tempo é incrível a força que a gente arruma pra não se abater com o que se ouve falar e principalmente com o que se sente – por que se sente demais... não físico, comigo pelo menos, mas fica tudo confuso. Eu sei que eu ainda não passei nada perto do que esta por vir, sei muito pouco ainda do que eu tenho, mas o veredito esta dado: vou sim passar por quimioterapia, vou ficar careca, minha imunidade vai baixar e eu sei que eu não vou segurar sempre assim, mas enquanto eu puder não lidar tão fundo com tudo isso, isso sempre vai ser minha primeira opção. Não lidar é, pra mim, a melhor saída. Me ocupo pensando em qualquer outra bobagem e no quanto ainda assim poderia ser pior, no quanto as coisas estão se encaminhando bem, dentro do que é possível dizer que se esta bem. Eu sinto que eu ainda tenho bastante pra suportar, tenho gente que vai suportar e ir junto. Obviamente que se eu pudesse escolher, nem queria ver quem eu gosto sofrendo comigo, e isso que me deixa exatamente do jeito que eu to: não deixar o que me atinge atingir da mesma forma quem ta em volta. Mas é muito bom sentir que as pessoas querem te ver melhor, dizendo uma coisa, torcendo, mesmo que superficialmente, pela tua recuperação. Isso é muito, muito massa. De verdade. Eu sei quando é sincero, sei quando é curiosidade, sei quando é preocupação e principalmente quando é especulação. Eu sinto tuuuuuuudo isso, mas finjo que não percebo. Faz parte. Eu fico lendo histórias pela internet de gente que passou por um tratamento assim, sem nem deixar as pessoas à volta notarem que estava passando por isso. INCRIVEL!!!!!! E é aí que me refiro: não quero que isso mude tudo na minha vida. Quero passar logo logo e deixar isso registrado aqui. Parágrafo único sobre. O máximo que eu quero escrever sobre isso é isso. Claro que eu vou sentir tanta coisa que inevitavelmente eu vou falar sobre o que eu to sentindo, como sempre escrevi aqui... mas aqui só dez por cento é verdade, não posso me dar o luxo de mudar tanto. Fato é que isso que eu to passando e o que ainda esta por vir mexem com as emoções, com o sentimento, com o amadurecimento... e deve ser aí o ponto alto da experiência. De tudo, tudo, tudo a gente precisa tirar um proveito, pra encarar as coisas melhores, e eu pretendo tirar o autoconhecimento. Não queria ter essa história exatamente pra contar pros meus netos, bisnetos e o caralho a quatro. Mas não terei só essa, certamente. Então preciso de algum fato bom disso tudo... não?

Conhecer o seu limite e entender que nem por que se sabe onde é, se permite ir até ele.