O eixo


Eu li em algum lugar, uma vez, que a tarefa mais difícil na vida era existir. Mas eu acho que a tarefa mais difícil  é manter o próprio eixo, sem querer que alguém ajude.

Eu tenho uma característica que, embora muita gente considere ser algo louvável, só me atrapalha: Eu não reclamo. Nunca. Quem me conhece bem sabe que, raras vezes – pra não dizer nenhuma – me viram reclamando. Reclamar da vida, da comida, do lugar que eu estiver, do tratamento que eu recebo ou do que eu tenha que fazer, eu realmente não sou de reclamar. Sempre que eu vou achar a vida um saco, um tédio, que eu to cansada, que eu queria tanta coisa que eu não tenho, eu instantaneamente me privo disso. Minha consciência buzina um alarme chato e decorado que diz: tem gente que não tem isso, tem gente que não tem o que comer, tem gente que não pode, tem gente que daria a vida por isso, tem gente que tá morrendo e blá blá blá. Eu me policio em tudo que eu possa pensar em reclamar. E eu deixo de externar tudo que eu acho ruim, por pensar estar reclamando de barriga cheia ou que possa parecer uma atitude mimada diante às situações que minha consciência coloca.  Eu sei que eu tenho direito de reclamar, de achar a minha vida um saco, e que tudo dá errado. É o meu eixo. A minha dimensão. Eu gostaria de simplesmente reclamar. Reclamar que eu to sem dinheiro, que eu não conheço ninguém com quem eu consiga realmente me abrir e dizer o que eu sinto sobre qualquer coisa, reclamar do controle e zelo excessivo que tem à minha volta, do cuidado que as pessoas têm comigo quando sabem da minha história, reclamar que meu cabelo é uma bosta, que eu não tenho roupa, que eu não tenho pra onde ir, que eu detesto a decoração do meu quarto, que eu não tenho o que beber, que eu detesto cozinhar, que eu acho um problema remarcar qualquer coisa que eu tenha combinado e é só dá um jeito que a gente consegue as coisas, que eu não suporto quando falam pra mim que não podem ou que não conseguem ou que não sabem, que eu preciso de alguém, que a conta ta cara, que a vida tá injusta.  Mas não dá. Simplesmente não dá. Eu tenho a mania insuportável de achar que ninguém quer me ouvir e não percebo que eu ouço todo mundo reclamando de coisas tão superficiais, tão chatas, tão fáceis  e tão obvias, que eu desligo enquanto as pessoas falam e digo frases prontas (aliás, não sei o que acontece que todo mundo adora me contar problemas, me achar confiável). Fico transtornada quando faço algo certo que alguém possa achar egoísta ou falso, fujo de qualquer coisa que possa lembrar. Sem contar a culpa que coloco em mim por ter feito. Eu sou chata, eu sou insuportavelmente chata. Eu faço tudo certo, quando na verdade queria fazer o contrario, só por que eu sei que é certo. 

A verdade é que eu gostaria de ser infinitamente menos tolerante com o que acontece à minha volta, e mais tolerante comigo. Mas não dá, eu não faço nada disso. Eu fico mantendo sozinha esse eixo que eu criei. E só eu sei que existir, perto desse malabarismo, é a coisa mais fácil do mundo.

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